sábado, 16 de janeiro de 2016

Remissão dos pecados?

Muitas pessoas preocupam-se tanto em obter o perdão do que se redimir a si mesmo do que fez de errado aos olhos das leis cristãs. Se esforçam tanto para confessar os seus pecados; pagar uma penitência e pronto, esta perdoado. Mas quando não há o perdão por parte de si mesmo; podemos viver em aparente segurança, até que as lembranças voltem e se tornem em severos conflitos mentais e até mesmo físicos, é o chamado peso da consciência. Enquanto a própria pessoa não confessar para si mesmo o que fez de errado e se redimir; o erro; ou o pecado cometido estará presente nos seus pensamentos; nos seus sonhos constantemente, lhe trazendo tristeza e arrependimentos.
Sem o seu auto-perdão; você buscará ser perdoado mas não encontrará; pois o sentimento da culpa ou a própria culpa ainda estará dentro de você, ele se apodera de tal modo da pessoa e se torna uma parte tão essencial da vida, sobretudo quando se sabe que é pecado, que com frequência não há o desejo de, mais tarde, se livrar dele. Sem esse desejo, não pode haver perdão. Em muitos casos, pode surgir um desejo exterior pela salvação e um pedido aparentemente sincero para libertação do pecado. Mas, se não houver o desejo interior de abandonar os pecados acariciados, a busca pela salvação é em vão.

Por isso; perdoar a si mesmo é essencial,. Perdoe-se e deixe a cura a começar. O perdão Universal é o primeiro passo na escada da ascensão espiritual. Você não pode encontrar a paz da alma que se recusa a dar o perdão.

Parte da psicografia de Joana de Ângelis por Divaldo Franco:

..."Todos podem errar, e isso acontece amiúde, tendo o dever de perdoar-se, não permanecendo no equívoco, ao tempo em que se esforcem para reparar o mal que fizeram."...

..."Mesmo aquele que segue retamente o caminho do bem está sujeito a alternância de conduta, tendo em vista os desafios que se apresentam e o estado emocional do momento."...

..."Todos têm o dever de perdoar-se, buscando não reincidir no mesmo compromisso negativo, desamarrando-se dos cipós constringentes do remorso."...

Romanos 7:18-20
18 Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está.
 19 
Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico. 
20 Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim.


Somos todos filhos do mesmo universo


sábado, 2 de janeiro de 2016

Profetas curandeiros da região serrana de Santa Catarina

Três personagens marcaram profundamente os que enfrentaram as tropas da República na Guerra do Contestado (conflito ocorrido entre 1912 e 1916 na região serrana de Santa Catarina, envolvendo, de um lado, caboclos expulsos de suas terras, e de outro, o Exército nacional). Os monges João Maria de Agostinho, João Maria de Jesus e José Maria de Santo Agostinho percorriam os sertões do sul do Brasil desde o século XIX.

1º - Vindo da Itália para o Brasil em 1844, João Maria de Agostinho logo fixou residência em Sorocaba, no interior de São Paulo. Anos mais tarde, passou pelo Rio Grande do Sul, por Santa Catarina e pelo Paraná realizando curas valendo-se de fontes de água que o povo acabaria considerando santificadas. Adquiriu enorme fama entre a população que vivia próxima ao caminho das tropas, permanecendo na Região Sul até pelo menos 1870. Levava uma vida humilde e ascética, fazendo penitências, dirigindo orações e receitando ervas.
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2º - Entre 1895 e 1908, um segundo monge percorreria a mesma região. Como Agostinho, João Maria de Jesus logo ficou conhecido por causa de suas curas. 
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3º - Um terceiro peregrino chegou à região de Campos Novos, Santa Catarina, em 1912. Miguel Lucena de Boaventura.
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Os ensinamentos desses peregrinos foram incorporados pela cultura cabocla e deram base à resistência ao projeto modernizador e capitalista que procurava se impor na região serrana de Santa Catarina. A propriedade privada da terra, o aproveitamento industrial da floresta e as restrições de acesso aos ervais nativos nada tinham a ver com a preservação da natureza, a lealdade nas relações sociais e o amor aos animais, valores pregados pelos monges e incorporados pelos caboclos. O avanço do trem de ferro, das serrarias e dos projetos de colonização confirmava as profecias dos monges de que o tempo de calamidades e guerras havia chegado. Mas, para os caboclos, esse tempo era também a possibilidade da remissão dos pecados e da instauração de uma nova ordem – a santa irmandade – oposta à modernidade capitalista. Os milhares de mortos da Guerra do Contestado são a prova de que os ensinamentos e as profecias dos monges tinham uma força muito grande, e que, para os seus seguidores, a história deveria ter seguido por outros caminhos.

O terceiro monge João Maria

Novo santo - Em 1911, porém, começou a aparecer o substituto do monge. Em Palmas, no Paraná, Miguel Lucena de Boaventura, que ninguém sabia de onde viera, desertor do 14º Regimento da Cavalaria de Curitiba, dava conselhos e receitas para doentes. Era mestiço de índio, moreno, cabelos compridos, lisos, barba comprida e emaranhada. Quase sem dentes, de pescoço curto e grosso, mancava da perna esquerda. Falava bem e com desenvoltura. Era um curador de ervas, autodenominado José Maria de Santo Agostinho, atraiu centenas de pessoas, que permaneceram ao seu redor na localidade conhecida como Taquaruçu. Lá ele abriu uma espécie de consultório, chamado “Farmácia do Povo”, utilizando as diferentes ervas da região e elaborando receitas, como esta citada pelo jornal Diário da Tarde em 1912: “entravam sassafraz, raiz de xaxim e outras raízes, na proporção de 700 gramas em uma garrafa de cachaça, para os doentes ingerirem em grandes doses”.

O "monge" José Maria, desertor do Exército e processado por ter seduzido uma menor, encontrou no sertão campo fértil para sua pregação mística. Havia o abandono, o desespero. Alguns poucos latifundiários dominavam as terras de ervais, e só. Mais que isso, o Governo Federal concedia terras a grupos de colonizadores estrangeiros, desalojando o sertanejo. Uma estrada de ferro foi construída e atraiu milhares de pessoas. Mais tarde, acabado o trabalho, eles ficaram vagando sem emprego.

Miguel Lucena foi preso em Palmas, acusado de ter seduzido uma garota de doze anos. Recebia centenas de camponeses na prisão. O prefeito preferiu soltá-lo para não ter problemas com seu prestígio. Ele, que dizia chamar-se José Maria, ser irmão do monge João Maria e seu enviado, foi para Taquarussu, no Município de Curitibanos, Santa Catarina, ergueu uma igreja e formou sua guarda de honra com base na história de Carlos Magno (personagem muito popular no Contestado). Na sua guarda havia 24 cavaleiros. Eram os doze pares da França; o "monge" José Maria entendia par como dois.

Ele ordenou que os pares se exercitassem com espadas de pau, simulando combates. Revivia-se a época carolíngia. Os tempos das lutas dos heróis contra os infiéis. Estabeleceu ali a monarquia - que era o "regime de Deus, santificado" -, proclamou um corpo de ministros e determinou que um velho fazendeiro analfabeto fosse o imperador. Em 1912 o "monge" já tinha cerca de setecentos seguidores.

Pelados x peludos - Antes disso, há registro de conflitos. Certa vez, por exemplo, prenderam um adepto de José Maria. Rasparam sua cabeça. A partir daí, os partidários do "monge" passaram a chamar-se de pelados e os inimigos, peludos. Mas eram atritos esporádicos. A vida monárquica voltava-se ao misticismo e cultivava a alegria. Havia animadas refeições coletivas. Aliás, era uma espécie de comunismo místico. O comércio era proibido. Todos tinham de repartir o que possuíam com os outros.

José Maria reinava absoluto. Dava bênçãos, fazia casamentos até de crianças, ouvia confissões. Tinha a confiança total do povo. 
Dormia com três virgens que o assessoravam. Quem duvidasse da pureza desse relacionamento seria sangrado. E as lendas corriam; histórias fantásticas. Diziam que, certa tarde, o céu ficou encoberto e não havia proteção para todos contra a chuva. O "monge" chamou o povo: "Vem chuva forte. Quem não estiver perto de mim vai molhar-se". A chuva veio. E quem não estava de seu lado ficou encharcado. Falava-se até mesmo que, como Jesus Cristo e João Maria, ele andava sobre as águas. Era, enfim, o salvador, aquele que iria lutar contra as forças do mal.

Morte ao dragão - A devoção era total; Quando contrariado, o "monge" ameaçava ir para os céus e gritava: "Eu vou voar". Os crentes imploravam para que permanecesse entre eles, agarravam sua roupa. E José Maria ficava. Não havia limites para a adoração. Um jovem, por exemplo, que pretendia ser um par da França, pediu ao "monge" que o aceitasse e recebeu a seguinte missão: "Traga cinqüenta orelhas de peludos". A mãe do jovem intercedeu, propondo que seu filho matasse o "dragão que aterroriza o sertão". José Maria concordou.

O jovem partiu a cavalo. Durante meses, percorreu o sertão á procura do dragão de fogo. Cansado, faminto, enfim encontrou o rastro do dragão.

Satisfeito, iniciou a derradeira perseguição. À noite, enfim colocou-se diante do animal. O dragão vinha veloz em sua direção. Ele preparou a espada, firmou-se na sela e lançou-se no escuro: o trem passou por cima de seu frágil corpo.

Todas essas histórias de fanatismo preocupavam as autoridades da região e do país. O "monge" e sua gente foram expulsos de Taquarussu e, em pouco tempo, montaram novamente a monarquia em Irani, que ficava ao sul do Município de Palmas. O Governo do Paraná, suspeitando que José Maria estava a serviço de Santa Catarina, mandou um destacamento de quatrocentos homens, comandados pelo capitão João Gualberto, dispersar os fanáticos ou prendê-los. Foi o primeiro combate. João Gualberto morreu. José Maria também. A primeira parte da profecia estava cumprida. Em um ano, o "monge" voltaria para liderar o advento do império santo. A república seria abolida e surgiria em todo o mundo a monarquia, que significa a lei de Deus.

Virgem vidente - Menos de um ano, entretanto, foi o prazo para o "monge" manifestar-se. Uma de suas virgens, Teodora, teve uma visão: José Maria esperava apenas a reorganização de seu exército. Queria a reedificação do acampamento de Taquarussu. Todos acharam normal a ordem - afinal, Teodora era a virgem preferida do "monge".

Os pares da França foram novamente ativados e elegeram Manuel, um rapaz de dezoito anos, para comandar o acampamento, onde milhares de pessoas das redondezas se reuniam, deixando as cidades vizinhas praticamente vazias. Mas Teodora não convencia como vidente - aliás, mais tarde, ela confessaria que tudo não passava de uma farsa. Em seu lugar assumiu Manuel, que, diariamente, "se encontrava" com José Maria, a fim de receber suas ordens. Esperava-se a batalha final. Pelo acampamento, anunciava-se: "Os velhos vão ficar jovens. Todos vão ser felizes".

Manuel não ficou muito tempo na liderança porque, certa vez, voltou de seu encontro com José Maria trazendo a seguinte ordem: também deveria dormir com três virgens,' como o "monge", a fim de receber através delas a mensagem divina. Seriam apenas trinta dias. O povo aceitou. No fim, um escândalo: as jovens haviam sido seduzidas.

Um garoto de onze anos, Joaquim, assumiu o lugar de Manuel, em quem deu uma surra de marmelo para tirar-lhe de vez a santidade. Mandou bater em sua avó e pôs o avô de castigo por quinze dias, deitado de bruços. Disse: "São ordens de José Maria".

O Governo de Santa Catarina ficava cada vez mais preocupado com o crescimento do que já chamavam "vila santa". Falava-se em subversão contra a república. Foram então enviados duzentos soldados no dia 29 de dezembro de 1913. Joaquim, que nesse dia ganhara o apelido de "Menino de Deus", comandou pessoalmente a expulsão dos soldados, que fugiram em pânico. Meses depois, houve novo ataque. E, desta vez, Taquarussu foi exterminado. Mas tudo havia sido previsto. Joaquim profetizara: "A cidade santa será destruída". E, antes que os soldados do Governo chegassem, houve uma debandada para outro lugar, Caraguatá, onde foi construído novo acampamento. Em Taquarussu ficaram oitocentas pessoas, seiscentas das quais eram mulheres e crianças.

Começa a guerra santa - A partir daí, os jagunços decidiram usar a violência. Em Caraguatá, por exemplo, a líder espiritual era a virgem Maria Rosa, também chefe militar. Montada em seu cavalo, ia á frente dos jagunços. Trazia uma espada na cinta e uma espingarda na sela. Muitas flores nos cabelos, um longo vestido branco, até os pés. Seu cavalo era branco, com arreios de veludo. Tinha apenas quinze anos. Ela liderou as tropas contra os soldados de Santa Catarina. Causou pavor. Seus homens, ágeis na mata, eram imbatíveis. A essa época já existiam no Contestado trinta redutos com 6 mil homens armados. As tropas federais entraram em ação. Foi enviado o general Setembrino de Carvalho à frente de 7 mil homens, o que significava 80% do Exército brasileiro. Recorreram até mesmo a aviões, chamados pelos jagunços de "gaviões voadores". A violência explodiu no Contestado. A virgem Maria Rosa mandou "limpar" as cidades vizinhas a fim de purificar o ambiente para a volta do "monge". Então os jagunços passaram a saquear e matar sertanejos pacíficos. Os soldados davam cabo do que sobrava: violavam mulheres, atacavam casas. Outro líder, Deodato, também conhecido por "São Joaquim das Palmas", era o mais cruel: chegava a desenterrar os corpos dos inimigos, pois acreditava que assim sua alma não iria para o céu. Diziam que matava o marido e, se a esposa chorava, matava também a mulher.

Mesmo enfrentando dificuldades, o Governo foi acabando com os redutos. Sobrou um, o de Santa Maria, que, depois de alguns meses, também não resistiu. Havia um adversário mais forte que as armas: a falta de comida, além das doenças. Deodato eliminava muitos companheiros, para diminuir o número de bocas a alimentar. Certo dia, conta-se, uma menina pediu-lhe um pedaço de carne. Deodato deu, mas disse-lhe que não contasse a ninguém. Ela trouxe uma amiga para pedir um pouco de comida. Deodato mandou que ficassem de costas e juntas, para ver qual era a mais alta. Com um tiro só, matou as duas.

Em meio ao tifo, os homens disputavam qualquer alimento. Brigavam por um pedaço de tripa. Disputavam até o couro dos arreios que, assado, devoravam com prazer. Nas ruas, mulheres, velhos e crianças morriam com febre. Nos campos de batalha, os homens eram mortos a facadas, a tiros e na explosão de bombas. Eles talvez não se surpreendessem com a tragédia - todos esperavam o fim do mundo. O momento havia chegado. O final, porém, deveria ser outro: os anjos não vieram socorrê-los e as "forças do mal" venceram.

O segundo Monge João Maria

Seu verdadeiro nome era Anastás Marcaf, o qual chegou à cidade da lapa com as tropas de Gumercindo Saraiva, durante a Revolução Federalista, em 1894. Era de origem Drusa (Povos Drusos), devido ao tipo de chapéu; turbante que usava. 
Alguns textos relatam que era  ex-marinheiro cujo navio naufragou em frente a Buenos Aires e que, para pagar promessa, dedicou-se à peregrinação,teria vindo da Argentina, entrou no Brasil pela região missioneira gaúcha, já com mais de 50 anos, ficando conhecido como monge João Maria de Jesus.

Imitou o primeiro monge em tudo: no traje, no barrete, no modo de vida, dormia em grutas, etc. Era de índole pacífica e nunca fez mal a ninguém, nem procurou afastar qualquer pessoa do catolicismo, porém seguia sua própria orientação. 

Solicitado que foi numa ocasião a assistir uma missa, retrucou asperamente: “Minha reza vale tanto quanto uma missa” e não assistiu. 
Costumava conversar com as pessoas, mas não fazia ajuntamento de pessoas, indicava medicamentos, batizava as crianças e transmitia seus mandamentos, como, por exemplo: 
“Quem descasca a cintura das árvores para secá-las também vai encurtando sua vida. A árvore é quase bicho, e bicho é quase gente.” 
Ou ainda: “Quem não sabe ler o livro da natureza é analfabeto de Deus”.
Ficou conhecido por abençoar as fontes d´agua, 

Durante a Revolução Federalista (1893-1895), João Maria visitava acampamentos dos revoltosos e fazia críticas à República, anunciando calamidades e sofrimentos. Angelo Dourado, médico e coronel federalista, registrou um encontro com o monge, ocorrido em 1894:
“Quando proclamaram a república, ele anunciara por onde passara grandes calamidades e para preservarem-se dela plantassem cruzes nas portas. Que haviam de matar e roubar, porque todos estes teriam em si o diabo. Depois esses crimes trariam uma guerra cruel, sem quartel. Que animados pelo diabo teriam forças e dinheiro, mas que os outros venceriam mesmo sem armas”.
Ainda de acordo com São João Maria, esta nova guerra seria precedida de muitos “castigos de Deus”, como praga de gafanhotos, cobras ou chagas: “Vai vir um tempo onde haverá muito pasto, mas pouco rastro”.

Mandamentos das Leis da Natureza

2) É errado jogar palhas de feijão nas encruzilhadas. É o mesmo que comer e virar o cocho. A terra se ofende.
3) Ao cortar uma árvore ou pé de mato, não se deixa mamando. Se corta por inteiro. Enquanto as plantas agonizam, os negócios da gente também vão abaixo.
4) Quem descasca a cintura das árvores para secá-las, também vai encurtando sua vida. Árvore é quase bicho e bicho é quase gente.
5) As casas e as propriedades de quem incendeia as matas, um dia também hão de virar cinzas.
6) A terra é nossa mãe. A água é o sangue da terra-mãe. Cuspir e urinar na água é o mesmo que escarrar e urinar na boca de tua mãe.
7) O Pai da Vida é Deus. A Mãe da Vida é a terra. Quem judia da terra é o mesmo que estar judiando da própria mãe que o amamentou.
8) Quem não sabe ler o Livro da Natureza, é analfabeto de Deus.
9) As horas de chuva, são horas de Deus. É quando a Mãe Natureza vem trazer água para seus filhos na Terra.
10) O cavaleiro que passar perto de lagoa ou cruzar uma corrente de água e não der de beber ao animal, morrerá com a garganta seca.
11) Bicho do mato é filho da terra. Só se matam os danosos.
12) Bicho do mato não traz marca de gente. Pertence à Mãe Natureza. Quem caça por divertimento, caça o alheio. É criminoso. Será punido.
13) Não permita que seus filhos matem passarinhos. É malvadeza.
14) Não se chama nome feio à criação. Ela obedece ao instinto que é a linguagem da Mãe Natureza.
15) Quem encilha animal com “mata” no lombo… cuidado com as costas.
16) Não se tira leite, sem deixar um teto cheio ao terneiro.
17) Não se tira mel, sem deixar alguns favos para as abelhas.
18) Rogar pragas é chamar o diabo para si.
19) Quer morrer novo? Não respeite os velhos.
20) Cumpra a tua promessa. Palavra dada é sagrada. Quem não a cumpre, trocado por m…. é caro.
21) O velhaco(caloteiro) deve a Deus, mas paga ao diabo. Te livres de tal credor.
22) Do vadio, até o rastro é feio.
23) O ladrão é sócio do tinhoso. O roubo é repartido no inferno.
24) Da baba do capeta é cheia a boca do mentiroso.
25) A pobreza não é defeito: a sujeira sim!
26) Trata bem do teu hóspede para seres bem tratado.
27) Quem usa a arma da boa conduta, ama e obedece a Deus.
28) Respeita a família dos outros, para que respeitem a tua.
29) Não é preciso ser santo; mas é preciso ser respeitado.

O primeiro Monge João Maria (1843-1852)

Assim caminhou João Maria

Por: Alexandre Karsburg

Ele escolheu um continente inteiro para viver. Percorreu os quatro cantos das Américas, ora de barco, ora a cavalo, mas principalmente a pé. De 1838 a 1869, atravessou mares, desertos, florestas e montanhas, improvisando residência em grutas e cavernas. Sua missão: salvar almas pela pregação do Evangelho. Essa incrível peregrinação, com dimensões praticamente incomparáveis, estaria fadada ao esquecimento se não tivesse originado, no Brasil, uma tradição religiosa popular que resiste ao tempo e ao personagem que a inaugurou.
Giovanni de Agostini nasceu em 1801 na comuna de Sizzano, região do Piemonte italiano. Após a morte da mãe, em 1819, foi para Roma em peregrinação, seguindo depois para a França e a Espanha, onde tentou se tornar monge, mas não conseguiu adequar-se à reclusão dos mosteiros. Em crise espiritual, cruzou o oceano para trabalhar como mensageiro religioso na América. Sua odisseia no Novo Mundo começou em junho de 1838, no desembarque em Caracas, na Venezuela.
No Brasil ele viveu de 1843 a 1852. Sempre que chegava às grandes cidades – como Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Desterro (atual Florianópolis) e Porto Alegre –, procurava os bispos e presidentes de província em busca de autorização para pregar o Evangelho. Com essa habilitação oficial, partia então para o interior, onde conciliava vida solitária e prática missionária.
Parecia-se fisicamente com seus conterrâneos capuchinhos pelas longas barbas que os deixavam com a aparência dos profetas bíblicos. Embora leigo, Agostini vestia hábito religioso e calçava sandálias rústicas, carregando objetos como Bíblia, medalhas de Nossa Senhora e cajado. Seus sermões também eram comparáveis aos dos capuchinhos da época: em linguagem severa e apocalíptica, gestos teatralizados, falavam do fim do mundo, das penas do inferno e das possibilidades para a salvação da alma, condenando o luxo e a avareza. Em vários locais do Brasil, os capuchinhos e Agostini criaram cruzeiros ou vias-sacras para que os fiéis em procissão se penitenciassem e diminuíssem o débito com Deus.
Era um monge de estatura meã, entroncado; os cabelos crescidos e encanecidos e a barba cerrada e branca, trazia-as em desalinho; na face enegrecida e tostada pelo sol, os olhos azuis tristes e fundos tinham fulguração estranha de místico: um gorro felpudo na cabeça, umas calças curtas que deixavam à mostra os cordões da ceroula e um paletó curto e riscado, de algodão, constituíam sua modesta, mas limpa, indumentária. Completando-a, umas alpercatas e um cinto de couro cru, fabricados por ele mesmo. Ao pescoço trazia um colar de “lágrimas de Nossa Senhora”, a tiracolo uma guampa com água, às costas um saco com alguma roupa, uma caneca, a cuia e bomba do chimarrão e uma lata que servia à guisa de marmita. Carregava também uma caixinha, que à maneira de pequeno oratório, encerrava uma imagem de Nossa Senhora da Abadia. [...] aparentava, na época, ter uns 50 ou 60 anos de idade.
Agostini demonstrava habilidades manuais: fabricava rosários e crucifixos de madeira, que trocava por alimentos e dinheiro para prosseguir sua peregrinação. Aprendeu a combinar ervas, raízes e folhas com a água de certas fontes para uso medicinal. Receitava chás e preparava unguentos para curar enfermos com problemas de pele. O povo o considerava um santo capaz de fazer milagres, venerando-o e seguindo seus passos. Quando esteve no interior do Rio Grande do Sul, próximo ao atual município de Santa Maria, entre 1846 e 1848, as notícias de suas curas ultrapassaram as fronteiras, atraindo uma multidão de doentes e curiosos de países vizinhos, como Uruguai, Argentina e Paraguai.
Os jornais do período afirmaram que um monge estrangeiro havia descoberto “águas santas” que curavam tudo e todos. Segundo as reportagens, paralisias, doenças de pele, fraturas de ossos e outras enfermidades eram tratadas com o uso das águas. Dois médicos foram até o local e constataram que as águas eram apenas potáveis, concluindo que as curas eram efeito da fé “ingênua” do povo. As autoridades do Império investigaram o caso, mas optaram pela cautela. Havia dezenas de missionários circulando pelo extenso território brasileiro. Especialmente durante o Segundo Reinado (1840-1889), capuchinhos italianos fizeram intensos trabalhos de evangelização pelos sertões, com o apoio do imperador D. Pedro II e de ministros e presidentes de províncias – que inclusive solicitavam a presença desse tipo de religioso. Esperava-se que os missionários catequizassem e “civilizassem” os índios e que ajudassem a apaziguar conflitos e rivalidades políticas.
O monge João Maria em 1861: aparência de profeta bíblico.
O monge João Maria em 1861: aparência de profeta bíblico.
João Maria de Agostini serviu de inspiração para vários homens que se lançaram à vida andeja nas décadas seguintes. É considerado o primeiro da série dos três “monges” João Maria que, desde a metade do século XIX, peregrinaram pelo sul do Brasil. [Ver “João Maria: muitos homens em um só santo”, página 22]
Sua formação cultural o destacava dos demais. Segundo testemunhas, tinha bom conhecimento do Evangelho, era versado em Teologia e falava bem o latim e o francês. O padre Joaquim Gomes de Oliveira e Paiva, deputado provincial de Santa Catarina, no encontro que teve com Agostini na Ilha do Arvoredo – em fevereiro de 1849 –, considerou-o um sujeito “digno de admiração” por adotar vida solitária tal como os santos dos primeiros tempos do cristianismo.
Depoimentos como esse devem ter chegado ao imperador, a ponto de convencê-lo a receber em audiência o “famoso monge das Águas Santas”, em 1849. A julgar pelas memórias de Agostini, o monarca simpatizou com ele e chegou a oferecer-lhe privilégios – o que não convém a um penitente: “O imperador Pedro II concedeu-me a sua amizade, dando-me obséquios e favores que ele não daria para qualquer pessoa. Estas honras, contudo, não eram úteis para alguém que procurava uma vida de solidão e sofrimento; após isso, deixei a capital brasileira para nunca mais retornar”. De todo modo, contar com a augusta amizade de D. Pedro II livrava Agostini de punições e constrangimentos. Isso explica o fato de ter sido inocentado pelo ministro da Justiça na época, Eusébio de Queirós, das suspeitas de charlatanismo, exercício ilegal da medicina, falsas promessas de cura e impostura religiosa – acusações lançadas pelo governo do Rio Grande do Sul e por médicos da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro.
Em 1852, atravessou a fronteira do Paraguai e estabeleceu-se no Monte Palma. Hoje conhecido como “El Cerro del Monje” (na província argentina de Misiones), naquela época era um morro isolado em meio às arruinadas reduções jesuíticas. No ano seguinte, foi visto em Buenos Aires, e dali partiu para sua jornada pan-americana. Galgou a Cordilheira dos Andes para chegar ao Chile, onde permaneceu de 1854 a 1856, depois passou por Bolívia (1857), Peru (1858), México (1859), Cuba (1860) e até Canadá (1861). Em vários locais sua estada não foi tranquila, pois atraía grande número de seguidores e causava a desconfiança das autoridades. Em tempo de construção dos Estados nacionais e consolidação das fronteiras políticas, a presença de um religioso estrangeiro de intenções desconhecidas preocupava parte dos governos, ainda mais se tivesse influência sobre o povo.
O trajeto de Agostini da Europa à América do Norte, passando pelas Américas do Sul e Central
O trajeto de Agostini da Europa à América do Norte, passando pelas Américas do Sul e Central
O peregrino entrou no país que seria sua última morada no final de 1861, tomando o caminho do oeste dos Estados Unidos. Percorreu quase 1.000 quilômetros a pé, morando em montanhas, até o Novo México. Em 1867, dirigiu-se a uma gruta perto da vila de Las Cruces. Alertado por moradores de que era perigoso viver sozinho por causa da presença de índios selvagens, o idoso eremita deu a seguinte resposta: “Toda sexta-feira acenderei uma fogueira para avisar que continuo vivo e orando por vocês”. E assim fez durante dois anos, de quando em quando descendo ao povoado para catequizar crianças, pregar e tratar enfermos. Em abril de 1869, uma sexta-feira, a fogueira no alto do cerro não se acendeu. Moradores foram procurá-lo e encontraram-no estendido, de bruços, e segurando firmemente seu rosário. Havia sido assassinado, em crime jamais solucionado.
Junto ao corpo do “solitário” foram encontrados diversos papéis, como passaportes e cartas de recomendação indicando os lugares e países por onde ele havia passado. Um conjunto de folhas avulsas registrava suas memórias.
Entre os objetos havia também uma fotografia sua, tirada em 1867 na cidade de Santa Fé. Lá estão o manto, o hábito com capuz, a Bíblia embaixo do braço esquerdo. Sua aparência física guarda semelhança com a descrição do “Frei João Maria d’Agostinho” presente no Livro de Registros de Estrangeiros da cidade de Sorocaba, feita em 24 de dezembro de 1844. Em especial, um sinal particular: “aleijado de três dedos da mão esquerda”.
Se entre os devotos no sul do Brasil João Maria segue encantado no alto de algum morro, aguardando o momento certo para retornar, o corpo do italiano que deu origem ao personagem descansa em paz no cemitério da pequena Mesilla, sul do Novo México, nos Estados Unidos, longe da veneração e do tumulto. Um prêmio tardio para quem sempre perseguiu a perfeita solidão.
Alexandre de Oliveira Karsburgé autor da tese “O Eremita do Novo Mundo: a trajetória de um peregrino italiano na América do século XIX (1838-1869)” (UFRJ, 2012).